Da ditosa pátria à desdita da mesma
"...Someone to claim us, someone to follow
Someone to shame us, some brave Apollo
Someone to fool us, someone like you
We want you Big Brother, Big Brother"
David Bowie
O concurso dos "grandes portugueses" chegou ao fim, com o resultado que há muito se pressentia: nos dois primeiros lugares, ficaram classificados um ditador, e um aspirante à mesma condição. O terceiro colocado foi impiedosamente perseguido pelo primeiro, arrojado à sarjeta, e morreu em perfeita indigência, porque se atreveu a ser justo e a dizer "não" ao frio calculismo do caudilho. Muitos outros não tiveram, mais tarde, igual sorte, porque -felizmente - o segundo classificado nunca conseguiu deitar mão às rédeas do poder, para poder reeditar, em nova estética , o célebre "manda quem pode, obedece quem deve".
Gostava de pensar, como Jaime Nogueira Pinto, que se tratou apenas de um concurso; ou como Paulo Portas, para quem as avultadas votações em Cunhal e em Salazar foram o resultado de um "despique" motivado, mais do que por simpatias, por simétricos ódios. Concordo um pouco com o que disse Rosado Fernandes, para quem o "limiar da maioria" de Salazar se explica como um protesto generalizado contra as más evidências de uma república que, frequentemente, desfila nua e despudorada. E com Fernando Dacosta, que teve a coragem de chamar a atenção para a imensa crueldade desta "economia aberta" e da "modernidade" a chicote. E não pode merecer contestação que, como apontou Ana Gomes, haverá por aí ( se calhar dentro do seu próprio partido...) muitas pessoas que não se sentem confortáveis na sua pele. Mas tudo isso não basta.
Tenho "mixed feelings" sobre este assunto. É claro que se trata de um concurso, "no big deal", portanto. Não é menos certo que votaram mais de 200 000 pessoas ( não sei se o último referendo teve tantos votantes) , e que mais de metade (se somarmos os votos tidos por Salazar e por Cunhal) desejam a chegada de um homem providencial, que pense por eles, e mande neles. Em suma, mais de metade dos votantes desejam ardentemente o cabresto.
Felizmente, há algum luar que matiza esta soturna perspectiva. Aristides Sousa Mendes, personagem ímpar e que não foi, concerteza, objecto de "voto útil", ficou em terceiro lugar. É certo que, não obstante todas as petições (até de ilustres senhores deputados, já lembrada neste espaço) a sua casa persevera em ruínas, e o Estado português demorou um tempo infindo a reintegrá-lo, a título póstumo, na carreira diplomática. A expressiva votação em Aristides significa que ainda há esperança num Portugal melhor, digno, humano e intransigente em matéria de princípios, um Portugal solidário que se comove e reage com indignação ao sofrimento alheio - aquele mesmo Portugal de povo anónimo, que Fernando Dacosta descreve em "máscaras de Salazar", a propósito do acolhimento destinado aos refugiados judeus em trânsito, durante a Segunda Guerra Mundial; aquele mesmo Portugal que se mobilizou - com uma eficiência que nem sequer é nossa - para denunciar as atrocidades contra o povo de uma pequena ilha dos antípodas, que em tempos tinha sido vagamente colonizada por Portugal. A votação em Aristides faz-me supôr que esse Portugal ainda existe. Não somos todos aspirantes a carneiros. E nem todos merecemos uma reedição da governanta Maria, em estética (capilar e não só) mais encarnada, ao serviço da memória de outro amo, mas com igual pêlo na venta.
Someone to shame us, some brave Apollo
Someone to fool us, someone like you
We want you Big Brother, Big Brother"
David Bowie
O concurso dos "grandes portugueses" chegou ao fim, com o resultado que há muito se pressentia: nos dois primeiros lugares, ficaram classificados um ditador, e um aspirante à mesma condição. O terceiro colocado foi impiedosamente perseguido pelo primeiro, arrojado à sarjeta, e morreu em perfeita indigência, porque se atreveu a ser justo e a dizer "não" ao frio calculismo do caudilho. Muitos outros não tiveram, mais tarde, igual sorte, porque -felizmente - o segundo classificado nunca conseguiu deitar mão às rédeas do poder, para poder reeditar, em nova estética , o célebre "manda quem pode, obedece quem deve".
Gostava de pensar, como Jaime Nogueira Pinto, que se tratou apenas de um concurso; ou como Paulo Portas, para quem as avultadas votações em Cunhal e em Salazar foram o resultado de um "despique" motivado, mais do que por simpatias, por simétricos ódios. Concordo um pouco com o que disse Rosado Fernandes, para quem o "limiar da maioria" de Salazar se explica como um protesto generalizado contra as más evidências de uma república que, frequentemente, desfila nua e despudorada. E com Fernando Dacosta, que teve a coragem de chamar a atenção para a imensa crueldade desta "economia aberta" e da "modernidade" a chicote. E não pode merecer contestação que, como apontou Ana Gomes, haverá por aí ( se calhar dentro do seu próprio partido...) muitas pessoas que não se sentem confortáveis na sua pele. Mas tudo isso não basta.
Tenho "mixed feelings" sobre este assunto. É claro que se trata de um concurso, "no big deal", portanto. Não é menos certo que votaram mais de 200 000 pessoas ( não sei se o último referendo teve tantos votantes) , e que mais de metade (se somarmos os votos tidos por Salazar e por Cunhal) desejam a chegada de um homem providencial, que pense por eles, e mande neles. Em suma, mais de metade dos votantes desejam ardentemente o cabresto.
Felizmente, há algum luar que matiza esta soturna perspectiva. Aristides Sousa Mendes, personagem ímpar e que não foi, concerteza, objecto de "voto útil", ficou em terceiro lugar. É certo que, não obstante todas as petições (até de ilustres senhores deputados, já lembrada neste espaço) a sua casa persevera em ruínas, e o Estado português demorou um tempo infindo a reintegrá-lo, a título póstumo, na carreira diplomática. A expressiva votação em Aristides significa que ainda há esperança num Portugal melhor, digno, humano e intransigente em matéria de princípios, um Portugal solidário que se comove e reage com indignação ao sofrimento alheio - aquele mesmo Portugal de povo anónimo, que Fernando Dacosta descreve em "máscaras de Salazar", a propósito do acolhimento destinado aos refugiados judeus em trânsito, durante a Segunda Guerra Mundial; aquele mesmo Portugal que se mobilizou - com uma eficiência que nem sequer é nossa - para denunciar as atrocidades contra o povo de uma pequena ilha dos antípodas, que em tempos tinha sido vagamente colonizada por Portugal. A votação em Aristides faz-me supôr que esse Portugal ainda existe. Não somos todos aspirantes a carneiros. E nem todos merecemos uma reedição da governanta Maria, em estética (capilar e não só) mais encarnada, ao serviço da memória de outro amo, mas com igual pêlo na venta.
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