Nazismo higiénico
Na senda da voragem proibicionista norte-americana, que já contaminou a Irlanda e a Espanha, o governo português ameaçou hoje a sua intenção de tornar os fumadores em proscritos, a não ser que decidam dedicar-se ao eremitério ou à navegação solitária em bote descoberto. A justificação relembra o paternalismo hipócrita das penas de fogo da inquisição: trata-se, não de perseguir alguém, mas de proteger a saúde dos "fumadores passivos". Estas criaturas (entre as quais, conforme os dias, me incluo) são uma amálgama de seres definhantes, inapelavelmente estropiadas pelo ominoso fumo do tabaco alheio, mas paradoxalmente imunes à salsugem acre que os belíssimos autocarros e camionetas que formam a espinha dorsal do sistema público de transportes generosamente lançam na atmosfera. Tais seres demonstram igualmente uma acentuada resistência aos bacilos perigosos que procriam alegremente nas atulhadas e pouco limpas salas de espera do SNS.
Em tempos, a humanidade dividia-se em "fumadores " e em "não fumadores". Com o advento da era nazi, um senhor chamado Fritz Lickint - que, entre outras coisas, afirmava que o café provocava cancro - inventou o termo "Passiv Raucher" (o que, em idioma menos farpado e mais familiar, significa precisamente "fumador passivo"). Nesse "Brave New World" que foi o III Reich, foram adoptadas uma série de medidas destinadas à proscrição do vício e à promoção da virtude - a idade legal para compra do tabaco foi elevada para os 25 anos; foi proibida a publicidade ao tabaco; foi imposta a interdição de fumar em espaços públicos, como bares e restaurantes. Como se sabe, os esforços desse progressista governo para proteger os cidadãos "puros" dos "Untermenschen" envolveu também a proscrição destes últimos, e subsequente transmutação dos mesmos em fumo e cinzas...
Mais de sessenta anos volvidos, o governo português decide recuperar parte desse património cívico, e dar-lhe forma de lei - Sieg Heil!
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