Nosocómio da alma

" L'absurdité est surtout le divorce de l'homme et du monde" Albert Camus, L'Étranger

quinta-feira, março 13, 2008

Cá dentro inquietação, inquietação...

Conta-se que os lemingues, pequenos roedores que vivem as regiões setentrionais, se condenam a si próprios à desgraça- nas suas migrações, por vezes desatinam, e lançam-se, bandos inteiros, na vertigem das falésias.

Ninguém sabe por que o fazem. Acaso cantassem, talvez pudessem fazer troar o estribilho de José Mário Branco no seu improvisado e derradeiro vôo, " Cá dentro inquietação, inquietação/É só inquietação, inquietação/Porquê, não sei/Porquê, não sei/Porquê, não sei ainda". Mas não consta que cantem. Deslocam-se, simplesmente, tudo parecendo indicar que ao calhas , " the blind leading the naked", até que o chão lhes falta e encontram, pelo menos, uma última e definitiva certeza -a morte.

Consta por aí, outrossim, que isso de os lemingues se suicidarem em massa é conversa fiada, coisa de documentário sensacionalista. Para o caso, tal não importa - interessa mais a fábula do que a realidade.

Vem isto a propósito dos rumores acerca de uma crónica de Miguel Sousa Tavares, em que o mesmo apelidaria os professores de "inúteis bem pagos". Confesso que não encontrei a tal crónica. O que encontrei, foi um artigo de opinião de Sousa Tavares, no "Expresso", sobre a "manif" dos professores(http://clix.expresso.pt/gen.pl?sid=ex.sections/23491).

No escrito, Sousa Tavares atribui o fracasso do sistema de ensino a uma espécie de conspiração corporativa dos professores, classe que reclama a auto-regulação e, ergo, a desresponsabilização, resistente a qualquer tentativa de mudança que estrague o seu "paraíso possível". A crítica é injusta - porque fala apenas em "mudança" e em "sistema de avaliação", como se fossem panaceias universais, aptas a poderem tornar-nos numa Finlândia meridional. Não são. Mudar sem se saber para quê, e avaliar sem se saber como ou por que critérios, é uma idiotice - é( e aqui retorna a fábula) a desmiolada correria dos lemingues para a borda do penhasco. A forma não suplanta a substância, e é a substância da "mudança" e da "avaliação" que está em causa. Mudar tudo em tempo recorde, às três pancadas, com avaliadores e avaliados numa relação de profunda proximidade, com avaliadores sem qualquer preparação para avaliarem, com avaliadores que foram escolhidos por critérios de antiguidade e não de mérito, socorrendo-se de critérios inenarráveis ( como a percentagem de reprovação de alunos), é absurdo. É ainda injusta, porque põe no mesmo saco da generalização fácil e demonizante, quem sempre exerceu as suas funções com zelo e diligência, e aqueles ( que também os haverá...), que descobriram na função uma forma camuflada do "dolce fare niente".

Sousa Tavares tem, obviamente, razão , quando afirma que as corporações gostam de auto-regular-se. Mas isso, é de La Palisse, e as mesmas surgiram para isso mesmo ( Sousa Tavares deveria sabê-lo). Chamar "corporação" aos professores apenas porque não querem ser avaliados de qualquer maneira, é francamente excessivo, e prenuncia delírios de intolerância, como aqueles que viam por detrás de qualquer desacordo a cor vermelha, ou aqueles outros que intuíam como suspeitosamente "fascista" ou "reaccionária" toda a resistência à criação de um "Brave New World" mentalmente prefigurado por algum "iluminado".