Nosocómio da alma

" L'absurdité est surtout le divorce de l'homme et du monde" Albert Camus, L'Étranger

terça-feira, outubro 17, 2006

A união ibérica

Uma sondagem feita em Espanha revela que cerca de 45% dos espanhóis quer a união com Portugal. Há pouco tempo atrás, uma outra sondagem revelava que cerca de 28% dos portugueses desejavam a união com Espanha. A vontade espanhola não espanta, e tem antecedentes históricos sobre os quais não vale sequer discorrer ( lembre-se apenas, já durante o franquismo, os delírios iberistas de Serrano Suñer) - sabe-se, aliás, o que aconteceria a Portugal, em tal "fusão"...a vontade portuguesa é que poderá espantar. Com efeito, as reencarnações do Conde de Andeiro têm sido, felizmente, raras e pouco dadas a públicas exposições ( a excepção é, como se sabe, o inefável Saramago - mas de quem compara a IDF/AF às SS, e de quem afirma que Cuba é um estado democrático onde não se violam os direitos humanos, espera-se tudo). Fiquei, pois, a pensar as razões que poderiam levar 28% dos portugueses a quererem ser espanhóis. Assim fiz uma pequena lista dos motivos que poderá terlevado tantos compatriotas, pelas mais diversas razões, a passarem à qualidade de "nuestros hermanos":

- o desejo de poder usar collants em público e casacos efeminados, para matar touros à espadeirada ( tal desidério, provavelmente, poderá ter influenciado o sentido da resposta de uma multitude de barranquenhos);
- ser fã do Júlio Iglésias ( cançonetista muito popular entre as tias de Cascais e da Foz, as quais têm do mundo uma visão muito cosmopolita, e que se expressam admiravelmente em portunhol);
- a predilecção pelo uso de collants em público, enquanto se esganiça uma cantilena cuja letra é uma estafada sucessão de "Ay!Ay!Ay!", e se esmigalha o chão, à patada,como um endemonhado ( lembro-me de algumas criaturas que poderão ter sido influenciadas por tal visão);
- ter uma boa desculpa para não conseguir falar decentemente qualquer língua estrangeira;
- não gostar de ler legendas;
- conseguir explicar a um norte-americano "standard" onde fica o nosso país, sem primeiramente o submeter a um curso intensivo de história e geografia elementares;
- ter sido continuadamente exposto, durante a infância , à "Balada para los poetas andaluces de hoy" e ao "Y viva España", o que, como se sabe, provoca danos cerebrais irreversíveis;
- considerar a "San Miguel" uma cerveja aceitável, ou sequer preferível a água potável;
- achar que "El Venao" e "Asejeré" são música audível e/ou dançável, com uma taxa de alcoolemia no sangue inferior a 4,5 gr/l;
- chatear as mães de Bragança, essas beatas insuportáveis;
- gostar mais de ditadores com bigode;
-ser fã do Saramago, e querer compartilhar com ele o mesmo torrão;
-não gramar o Saramago, e obrigá-lo a compartilhar o mesmo espaço de identidade política com os milhões de pessoas que ele mandou à fava, quando partiu para o exílio;
- que se saiba, os brasileiros não contam anedotas sobre Manolos e Pablos, mas sim sobre Manéis e Joaquins;
- não gostar de um bom café;
-poder pedir um "carajillo" numa tasca, sem correr o risco de levar com uma garrafa na testa;
- Não sendo nenhum prodígio, a bandeira espanhola corre menor risco de ser confundida com o estandarte de qualquer jovem república africana;
- Não ter pachorra para decorar a letra do hino nacional;


e agora, para algo completamente diferente:

- o desejo de comprar tabaco, energia e combustíveis mais baratos;
- a aspiração por melhores salários;
- a vontade de comprar carros decentes, sem necessidade de enveredar por uma carreira de futebolista, de empresário da noite ou de traficante de cocaína;
- poder entrar numa biblioteca decente para fazer investigação, sem necessidade de apelar aos deuses;
-comprar livros a preços decentes.
- poder afixar na parede " aquí se fuma, con mucho placer".

terça-feira, outubro 10, 2006

Serviço Público

Verdadeiramente, a RTP decidiu hoje fazer serviço público, com a transmissão de uma entrevista a Adriano Moreira. Gostando-se ou não, é um documento histórico incontestável.

sexta-feira, outubro 06, 2006

A República

Comemora-se hoje ( rectius, comemorou-se ontem) a implantação da república em Portugal. Com direito a bandeiras , revista a um exército decrépito pelos altos dignitários da nação, bandas de música e faladura de caciques locais, um pouco por todo esse "Portugal profundo". Devo dizer que não sou republicano. Desgosta-me ( melhor, enoja-me) a semiótica republicana, em especial a bandeira, cromaticamente aparentada ao estandarte de várias ditaduras africanas, e a opereta patética que clamava pelo suicídio colectivo, transformada em hino, para nossa desgraça. Enerva-me, sobretudo, a tática estalinista da sobreposição - é curioso constatar que ninguém reclama o cinco de Outubro como data da assinatura do Tratado de Zamora...