Nosocómio da alma

" L'absurdité est surtout le divorce de l'homme et du monde" Albert Camus, L'Étranger

quarta-feira, agosto 31, 2005

Lido no "abrupto"

Pacheco Pereira decidiu publicar "posts" dos seus leitores no conhecido "blog". Reproduzo abaixo um deles. Com indicação do respectivo autor, como é óbvio.

"Lembram-se dos fogos que em 2003 devastaram o concelho de Vila de Rei deixando- o coberto de negro? Lembram-se dos discursos sofridos de autarcas locais e governantes cheios de urgências interventivas e condenações consensuais à praga da eucalipização? Se não se lembram, não faz mal, eram iguaizinhos aos que se ouvem agora. Mas, hoje, já viram Vila de Rei? Está de matos renascidos, e até já tem áreas reflorestadas: De eucaliptos, pois então. Com um bocado de sorte, só arderão daqui a cinco ou seis anos. " (Alice Fernandes)

Cegada estival

O Portugal profundo diverte-se nos meses estivais. É tempo de descanso, de ócios, de reencontros, e de regressos às origens, às tradições que ( desgraçadamente ) marcam a nossa idiossincracia. É durante o Estio que uma cambada de selvagens, lá onde Portugal se confunde já com a Espanha, se dedicam ao sádico sacrifício de touros para gáudio de uma apregoada "alma barranquenha", que a todos nos vai envergonhando e que eu, em particular, desejo ardentemente ver extinta ou, pelo menos, expatriada. Para quem ainda se recorda, os "touros de morte" estavam legalmente interditados, por razões por demais evidentes. Os nossos governantes, untados de caridade divina, decidiram que o capricho de um povoado embrutecido se havia de sobrepôr ao sentimento da maioria da população e, em cometimento profundamente democrático, produziram uma salsada legal que permitiu, na prática, a institucionalização da chacina gratuita, com direito a banda de música, barraquinhas de comes e bebes, e honras de cobertura televisiva. Nesses mesmos meses de Verão, multiplicam-se igualmente as festas populares, em homenagem a uma hagiografia que já ninguém conhece. As festas populares são, por si só, um fenómeno irritante, num país em que os santos foram substituídos outros seres miríficos, como os jogadores de futebol, dos participantes no "Big Brother" e o Zézé Camarinha. Mas, como se isso não bastasse, as festas populares são ainda motivo para outros "happenings". Vem logo à ideia a transmutação das paredes do povoado em mictórios de ocasião; ou dos sanitários públicos em esgotos a céu aberto. Para além disso, as festas populares têm sempre alguns componentes imprescindíveis: um ou dois cançonetistas "populares", cujo repertório oscila entre a afirmação da alarvidade do macho ibérico e o desconsolo da consorte enganada; um padre que, com cara de enfado, vai presidindo à procissão que justifica que a festa seja ainda em honra de um santo qualquer, e não se chame já "arraial do Zé"; um número apreciável de basbaques mais ou menos bebidos, que vão bovinamente inspeccionando as fêmeas que passam, o que dá frequentemente origem a rituais de acasalamento ou a violentas disputas pelo direito a procriar, geralmente resolvidas à base da escarradela e do tabefe; se é ano de eleições, dois ou três candidatos afoitos que vão abraçando velhas gaiteiras e beijnado criancinhas inocentes. E, festa popular que se preze, não passa sem o lançamento de foguetes. Estes, como se sabe, são parte da tradição, e motivo para que ainda haja um número apreviável de manetas em Portugal É claro que o lançamento de tais projécteis está proibido nos meses de Verão, dado o risco de incêndio. Mas é tradição, e a tradição é para manter. Ademais, os incêndios podem sempre ser imputados aos madraços dos proprietários, que não limparam as matas...

sábado, agosto 27, 2005

Os novos cordeiros sacrificiais

"When I was a boy I was told that anybody could become President; I'm beginning to believe it"

(Clarence Darrow)


René Girard escreveu um dia que o que de mais essencial havia nas religiões era o ritual, a imolação de uma vítima. Nas religiões não sei, mas na actuação política em Portugal, começa a ser a regra.
O senhor Presidente veio, por entre as chamas que braseiam o país, indicar os culpados desta encenação terrena do enredo dantesco:os relapsos, somíticos, antipatrióticos proprietários florestais, que não procedem à limpeza das matas. E a solução é simples: multe-se e exproprie-se, a bem da Nação. Esqueceu-se, talvez, o senhor Presidente, neste seu juízo , de ter em consideração outros factores. Desde logo, que se anda há décadas a plantar aquilo que se não devia, com o beneplácito e o apoio do Estado, que foi achando que a "dimensão estratégica" da floresta consistia na monocultura do pinheiro e do eucalipto, este último sobretudo para ulterior transformação em pasta de papel. Assim se logrou, de uma só penada, exaurir os solos, promover a destruição dos ecossistemas preexistentes e promover o desenvolvimento de uma indústria florescente que, entre outras vantagens - e basta ir a Cacia para o comprovar - tem a virtualidade de produzir lixo a rodos e envolver as redondezas num miasma perene, algures entre o repolho fermentado e as célebres "samicas de caganeira" vicentinas. Esqueceu-se também o senhor presidente que as pequenas explorações agrícolas, que serviam a descontinuidade das zonas florestais e atenuavam os riscos de propagação dos fogos desapareceram, sacrificadas no altar do "progresso" e da "especialização" da nossa economia. Esqueceu-se o senhor presidente que o interior está deserto, porque a elite política a que o senhor presidente também pertence apenas se importou com as "capitalidades" de Porto e de Lisboa, às quais foram acorrendo, esperançada ou resignadamente, as populações do interior, fartas de percorreram cinquenta quilómetros para irem ao médico, à escola, ou de cagarem numa sanita ligada directamente aos fundos do quintal. Esqueceu-se o senhor presidente que esses famigerados proprietários pagam impostos os quais, presuntivamente, deveriam ser utilizados para custear as operações de limpeza. Esqueceu-se o senhor presidente que os incêndios devem ser combatidos, presuntivamente com meios próprios e adequados, os quais consabidamente não existem, uma vez que os dinheiros públicos foram vantajosamente empregues na construção de mamarrachos , de autoestradas por onde ninguém passa, e na compra de três belíssimos submarinos. O senhor presidente esquecue-se disto, tudo, e de muito mais. Não se vê o senhor presidente a questionar os responsáveis pela definição da política florestal; não se vê o senhor presidente perguntar por que diabo é que na recente compra de helicópteros para as forças armadas não se aproveitou para dotar o país de meios aéreos próprios para combate a incèncios. Não se ouve um murmúrio do senhor presidente sobre a misteriosa aquisição de um "kit" para combate a incêndios a ser utilizado nos C-130 da FAP, e que presentemente se acha a apodrecer num armazém.

Os novos cordeiros sacrificiais

"When I was a boy I was told that anybody could become President; I'm beginning to believe it"

(Clarence Darrow)


René Girard escreveu um dia que o que de mais essencial havia nas religiões era o ritual, a imolação de uma vítima. Nas religiões não sei, mas na actuação política em Portugal, começa a ser a regra.
O senhor Presidente veio, por entre as chamas que braseiam o país, indicar os culpados desta encenação terrena do enredo dantesco:os relapsos, somíticos, antipatrióticos proprietários florestais, que não procedem à limpeza das matas. E a solução é simples: multe-se e exproprie-se, a bem da Nação. Esqueceu-se, talvez, o senhor Presidente, neste seu juízo , de ter em consideração outros factores. Desde logo, que se anda há décadas a plantar aquilo que se não devia, com o beneplácito e o apoio do Estado, que foi achando que a "dimensão estratégica" da floresta consistia na monocultura do pinheiro e do eucalipto, este último sobretudo para ulterior transformação em pasta de papel. Assim se logrou, de uma só penada, exaurir os solos, promover a destruição dos ecossistemas preexistentes e promover o desenvolvimento de uma indústria florescente que, entre outras vantagens - e basta ir a Cacia para o comprovar - tem a virtualidade de produzir lixo a rodos e envolver as redondezas num miasma perene, algures entre o repolho fermentado e as célebres "samicas de caganeira" vicentinas. Esqueceu-se também o senhor presidente que as pequenas explorações agrícolas, que serviam a descontinuidade das zonas florestais e atenuavam os riscos de propagação dos fogos desapareceram, sacrificadas no altar do "progresso" e da "especialização" da nossa economia. Esqueceu-se o senhor presidente que o interior está deserto, porque a elite política a que o senhor presidente também pertence apenas se importou com as "capitalidades" de Porto e de Lisboa, às quais foram acorrendo, esperançada ou resignadamente, as populações do interior, fartas de percorreram cinquenta quilómetros para irem ao médico, à escola, ou de cagarem numa sanita ligada directamente aos fundos do quintal. Esqueceu-se o senhor presidente que esses famigerados proprietários pagam impostos os quais, presuntivamente, deveriam ser utilizados para custear as operações de limpeza. Esqueceu-se o senhor presidente que os incêndios devem ser combatidos, presuntivamente com meios próprios e adequados, os quais consabidamente não existem, uma vez que os dinheiros públicos foram vantajosamente empregues na construção de mamarrachos , de autoestradas por onde ninguém passa, e na compra de três belíssimos submarinos. O senhor presidente esquecue-se disto, tudo, e de muito mais. Não se vê o senhor presidente a questionar os responsáveis pela definição da política florestal; não se vê o senhor presidente perguntar por que diabo é que na recente compra de helicópteros para as forças armadas não se aproveitou para dotar o país de meios aéreos próprios para combate a incèncios. Não se ouve um murmúrio do senhor presidente sobre a misteriosa aquisição de um "kit" para combate a incêndios a ser utilizado nos C-130 da FAP, e que presentemente se acha a apodrecer num armazém.